A otimização da venda de ativos pelo art. 66 na recuperação judicial
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Cássio Cavalli. Professor da FGV Direito SP. Advogado, parecerista e árbitro.
Referência ABNT para citação:
CAVALLI, Cássio. A otimização da venda de ativos pelo art. 66 na recuperação judicial. São Paulo: 2022. Disponível em: https://www.agendarecuperacional.com.br/ Acesso em:
A venda de Unidades Produtivas Isoladas (UPI) é a forma de alienação de ativos mais adotada nos casos de recuperação de judicial. A maior adoção desse dispositivo legal como forma de desinvestimento de empresas em recuperação judicial decorre do fato de que a Lei 11.101/05 e a jurisprudência cuidaram de afastar as regras de sucessão em obrigações que foram ampliadas ao longo do século XX fazendo com que ocorresse sucessão em virtualmente qualquer venda de ativos, inclusive isolados.
A disciplina da sucessão em obrigações é altamente prejudicial aos interesses da empresa e dos seus credores, pois impede que a empresa possa desinvestir de modo eficiente para obter liquidez ainda a tempo de evitar problemas de caixa. As normas de sucessão, ademais, são indutoras de seleção adversa no mercado de ativos empresariais, uma vez que os potenciais adquirentes de ativos se disponham a pagar apenas valores reduzidos por eles, isso quando se dispõem a adquiri-los, uma vez que desconhecem a extensão das obrigações elas quais podem vir a responder. As regras de sucessão, assim, promovem um resultado indesejado: as empresas, por não conseguirem vender eficientemente seus ativos, acabam condenadas à crise e ao pedido de recuperação judicial, onde poderão vender ativos embalados em UPIs. Ao esterilizar ativos, a UPI afasta a necessidade de se precificar a extensão do risco sucessório e, assim, permite que se obtenha maior valor pelos ativos alienados.
Porém, o desinvestimento por meio de venda de UPI contém alguns inconvenientes, dos quais o maior é a demora para a sua implementação. Empresas em crise são melting ice cubes, cujo valor derrete à medida que o tempo passa. Um pedido de recuperação gera impactos reputacionais e, também, pode dificultar a gestão da relação da empresa com diversos stakeholders. Ademais, empresas necessitam de liquidez para fazer frente a despesas operacionais e não podem aguardar até a aprovação e homologação de um plano para poder desinvestir mediante a venda de UPI. Nesses casos, é necessário que a empresa possa desinvestir antecipadamente, já no começo da recuperação judicial.
A venda de ativos fora de plano de recuperação judicial pressupõe que a empresa demonstre ao juiz a evidente utilidade na alienação e que obtenha autorização para a venda, conforme o art. 66 da Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência (LRF). Contudo, a LRF não prevê norma que proteja expressamente o adquirente contra sucessão de obrigações da empresa alienante. A incerteza acerca da sucessão acaba por dificultar o desinvestimento de empresas, em prejuízo de todos os interessados. Daí porque cumpre aos intérpretes aclarar as normas de proteção de adquirentes de ativos de empresas em recuperação judicial.
A LRF não tratou de modo sistemático a disciplina da alienação de ativos na recuperação judicial, pois preferiu disciplinar a alienação de ativos na parte relativa à falência, à qual remetem certos dispositivos situados na parte relativa à recuperação judicial. Na falência, o art. 141 da LRF protege expressamente contra a sucessão quem arrematar ativos alienados conjunta ou separadamente em processo de falência. Ou seja, na falência o arrematante de estabelecimento ou de ativos isolados não sucederá nas obrigações do falido. Essa regra foi posta em benefício da massa falida e dos credores, pois possibilita a obtenção de um maior preço pela alienação de ativos. Ao mesmo tempo, quando tratar-se de alienação de ativos operacionais, permite a preservação da utilização produtiva dos bens, antes que se depreciem. A proteção legal é aplicável a todas as modalidades de alienação, incluindo os casos de alienação judicial e as demais modalidades que dependem de autorização do juiz (art. 144 da LRF) ou da assembleia de credores (art. 145 da LRF).
Em todos os casos, há ampla possibilidade de controle por parte de todos os interessados, bem como há a necessidade de autorização ou de homologação judicial. Com isso, assegura-se que a alienação de ativos será realizada para obter o maior proveito para a massa falida.
Parece-me que referida disciplina legal se aplica aos processos de recuperação judicial, cuja finalidade mediata consiste em preservar a empresa. Por isso, as regras de alienação de ativos e de proteção contra sucessão devem ser interpretadas teleologicamente, com vistas à preservação da empresa e a proteção dos interesses dos credores. Proteger-se o adquirente de ativos permite que se obtenha maior valor pela venda de ativos, o que é desejável e benéfico tanto para a recuperanda quanto para os credores. Interpretação diversa que reforce a dificuldade de se desinvestir vai na contramão dos objetivos da LRF.
Assim, contanto que se demonstre que a alienação de ativos resulta em evidente utilidade para a promoção dos objetivos da Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência, - quais sejam preservar a empresa, maximizar o valor dos ativos do devedor e tutelar os credores -, deve-se reconhecer a não sucessão do adquirente de ativos na recuperação judicial, ainda que a alienação ocorra no início do processo, na forma do art. 66 da LRF. Essa é a interpretação que, a meu ver, melhor se coaduna com os objetivos do processo recuperacional.
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