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Ponto de atenção: alteração camuflada na falência pelo PL 03/2024

Cássio Cavalli
Cássio Cavalli
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Cássio Cavalli. Professor da FGV Direito SP, advogado e parecerista.
CAVALLI, Cássio. Ponto de atenção: alteração camuflada na falência pelo PL 03/2024. Agenda Recuperacional. São Paulo. v. 1, n. 30, p. 1-2, jan./2024. Disponível em: www.agendarecuperacional.com.br. Acesso em:

O PL 03/2024 foi encaminhado em regime de urgência ao Congresso  pelo Ministério da Fazenda sob a justificativa de que almeja tornar mais célere o eficiente o processo de falência.

Porém, no corpo do PL, em meio a disposições momentosas e polêmicas, encontram-se discretamente camufladas algumas disposições que nada têm a ver com o referido propósito e, pelo contrário, contribuem sobremaneira para aumentar a ineficiência da falência.

Assim, o PL altera o art. 22, III, ‘s’, sobre a competência do administrador judicial na falência para discretamente criar uma regra de não arrecadação de dinheiro, que criaria uma espécie de “alienação fiduciária” em favor de créditos públicos garantidos por depósitos judiciais, ao dispor que compete ao administrador judicial “s) arrecadar os valores dos depósitos realizados em processos administrativos ou judiciais nos quais o falido figure como parte, oriundos de penhoras, de bloqueios, de apreensões, de leilões, de alienação judicial e de outras hipóteses de constrição judicial, ressalvado o disposto na Lei nº 9.703, de 17 de novembro de 1998, na Lei nº 12.099, de 27 de novembro de 2009, e na Lei Complementar nº 151, de 5 de agosto de 2015”. (A alteração no entanto parece reproduzir a mesma disposição camuflada e inconstitucional prevista na Lei 14.112/2020.)

As Leis 9.703/1998 e 12.099/2009 dispõem sobre depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos e contribuições federais e a Lei Complementar 151/2015 trata de depósitos judiciais e administrativos em dinheiro referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários.

Com efeito, o PL insere na Lei 11.101/2005 uma inédita regra de não arrecadação de ativos do falido, primeira na história do direito brasileiro, já que desde sempre, com a decretação da quebra, são arrecadados todos os bens do devedor e os bens de terceiros que se encontram na posse do devedor, como, p. ex., os bens alienados fiduciariamente em garantia.

Referida alteração na LRF não tem relação alguma com o objetivo de aperfeiçoar a falência. Pelo contrario, é norma que evidentemente torna o processo menos eficiente, que foi incluída no PL de forma camuflada para atender os interesses exclusivos da fazenda pública. Pela disposição, a fazenda pública busca obter uma preferência de pagamento sobre credores que lhe são preferenciais na falência, porém sem alterar à luz do dia e de modo expresso os dispositivos que tratam de preferências creditórias na LRF.

No entanto, os valores mantidos em depósitos judiciais devem ser arrecadados para pagar despesas de administração da massa (inclusive os tributos gerados durante a falência) e credores preferenciais ao fisco, como os financiadores DIP e os credores trabalhistas, e também os credores quirografários, os quais preferem às multas tributárias e administrativas.

Do contrário, os recursos mantidos em depósito judicial ficarão ociosos nas mãos de credor não preferencial, enquanto credores preferenciais não recebem e o tempo passa e a falência se demora. Esse resultado é diametralmente oposto à desejada celeridade e eficiência da falência. Quem está no fim da fila não pode atravancar o processo e impedir que a fila ande.

Ademais, referida disposição mantém recursos confinados em uma execução fiscal e impede que sejam rateados entre diferentes entes federados, em manifesta violação ao pacto federativo e ao determinado pela ADPF 357, sobre a qual publiquei aqui no Agenda Recuperacional.

O Congresso Nacional precisa estar atento a enxertos normativos desta espécie, para não tisnar a legitimidade e a constitucionalidade do processo legislativo e, de quebra, prejudicar a eficiência do processo falimentar.

*Artigo atualizado às 13:18h do dia 23.01.2024

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