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Eficiência e legitimidade da alocação de ativos no plano de falência do PL 03/2024

Cássio Cavalli
Cássio Cavalli
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Cássio Cavalli. Professor da FGV Direito SP, advogado e parecerista.
CAVALLI, Cássio. Eficiência e legitimidade da alocação de ativos no plano de falência do PL 03/2024. Agenda Recuperacional. São Paulo. v. 1, n. 29, p. 1-4, jan./2024. Disponível em: www.agendarecuperacional.com.br. Acesso em:

Conforme o PL 03/2024, o plano de falência deve ser apresentado pelo administrador judicial ou gestor fiduciário em 60 dias da assinatura do termo de compromisso (82-C).

O administrador judicial assinará o termo de compromisso tão logo seja nomeado provisoriamente pela sentença de quebra (art. 99, IX) e o relógio para apresentação do plano de falência começará a contar.

O administrador judicial terá que elaborar um plano de falência paralelamente à arrecadação dos bens e à organização de assembleia geral para eleger seu substituto, o administrador judicial eleito pelos credores, chamado de gestor fiduciário pelo PL. Com isso, o administrador judicial não tem incentivo para elaborar um bom plano de falência, já que provavelmente será dispensado pelos credores que elegerão o seu substituto.

O administrador judicial também não terá informações adequadas para elaborar um plano de falência, pois o PL dispensa a avaliação de bens na arrecadação. Com a alteração no caput do art. 108 e do art. 22, III, ‘g’, a avaliação de bens na falência transforma-se em matéria facultativa, a ser prevista no plano de falência e realizada posteriormente, na forma deste.

Desprovido sequer das estimativas de valor obtidas em avaliação, o administrador judicial não terá informações para propor a melhor forma de realização de certos ativos, se em conjunto ou separadamente. Também não terá tido ainda oportunidade de obter informações e fazer sondagens de mercado para precificar os ativos arrecadados, nem para identificar as modalidades adequadas para a sua realização.

No entanto, mesmo assim deverá incluir como um dos anexos do plano de falência um “plano de realização dos ativos”. 

Elaborado por quem (i) está de saída, pois nomeado provisoriamente e em vias de organizar a eleição de seu sucessor, e (ii) não tem informações sobre características determinantes dos ativos para se escolher as formas e modalidades de sua alienação, o plano de realização dos ativos, apêndice do plano de falência, certamente não adotará as formas e modalidades mais eficientes para alocar os ativos do devedor por maior preço.

Elaborado nestas circunstâncias, o plano de falências é um forte candidato à rejeição pela assembleia de credores. Porém, a rejeição do plano de falência do administrador judicial pela assembleia de credores não acarreta a rejeição do seu apêndice sobre a realização dos ativos, o qual será deverá ser executado pelo administrador judicial nomeado pelo juiz ou pelos credores (art. 82-D, § 10, II). Para este fim, a vontade dos credores não importa, mesmo que tenham rejeitado o plano de falência por reputarem ruim o capítulo do plano de realização dos ativos.

Logo, o plano de realização dos ativos elaborado no inicio do procedimento, sem as informações necessárias à precificação adequada dos ativos, parece ser o plano definitivo de realização dos ativos na falência.

Assim, será plano ineficiente, quanto à maximização de valor dos ativos, e ilegítimo, quanto à sua aceitabilidade pelos credores, que são os ingredientes infalíveis para gerar contencioso e demoras no procedimento falimentar.

A possibilidade de apresentação de plano alternativo pelos credores não resolve o problema, pois, neste momento do procedimento, os credores igualmente não disporão de informações relevantes para decidir sobre as formas e modalidades de alienação, além de a previsão do § 7º do art. 82-D ser mais uma crônica de impasse anunciado, que reproduz a norma manifestamente ineficiente de legitimação para apresentação de planos de credores na recuperação judicial, conforme demonstrei no artigo “A crônica de um impasse anunciado: os planos de credores na recuperação judicial” que publiquei aqui no Agenda Recuperacional. O PL deveria corrigir a defeituosa disciplina na recuperação judicial ao invés de reproduzi-la na falência. A sua reprodução na falência transformará um procedimento hoje lento em um procedimento parado em um impasse.

As breves considerações feitas acima demonstram uma falha de concepção do PL 03/2024, que parece almejar suprimir a disciplina de execução forçada na falência e substituí-la por um procedimento integral ou predominantemente negociado. No entanto, como qualquer negociação deve ter como pano de fundo uma prévia e clara alocação de direitos de propriedade, para a realização mais eficiente e legítima do ativo na falência, melhor solução é confiar à Lei 11.101/2005 a previsão das formas e modalidades de realização dos ativos, a serem executadas forçadamente, e deixar para os credores a possibilidade de negociarem formas e modalidades alternativas de realização dos ativos. Se os credores silenciarem, ou se não aprovarem formas e modalidades alternativas, aplica-se o regime padrão legalmente previsto. Isso simplifica o procedimento, reduz litigiosidade e incentiva negociação em busca de planos mais eficientes de realização dos ativos.

De Chicago para São Paulo, 21 de janeiro de 2024.

Cássio Cavalli

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