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A legitimação do espólio de produtor rural para a recuperação judicial

Cássio Cavalli
Cássio Cavalli
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Cássio Cavalli. Professor da FGV Direito SP, advogado e parecerista.
Referência para citação: CAVALLI, Cássio. A legitimação do espólio de produtor rural para a recuperação judicial. Agenda Recuperacional. São Paulo. v. 1, n. 19, p. 1-2, ago./2023. Disponível em: www.agendarecuperacional.com.br e Linkedin

*atualizado em 1 de agosto de 2023, às 11h50min.

A legitimação de espólio do devedor para a recuperação judicial a que se refere o art. 48, § 1º, da Lei 11.101/2005 recebe pouca atenção doutrinária por serem muitíssimo mais comuns os casos de recuperação judicial de empresas organizadas sob a forma de pessoas jurídicas, como sociedades limitadas e sociedades anônimas.

No entanto, em se tratando de atividade de produção rural, é muitíssimo frequente que a atividade seja organizada por pessoas naturais, mesmo nos casos em que há produção em larguíssima escala, com valores expressivos envolvidos.

Para estes casos, ganha relevância a hipótese de legitimação de espólio para a recuperação judicial. Assim, o espólio de produtor rural legitima-se a postular recuperação judicial, conforme prevê o art. 48, § 1º, da Lei 11.101/2005, no qual se lê que: “A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.” Conquanto referido dispositivo preveja um rol de legitimados a postular a recuperação judicial do devedor falecido, em caso de abertura de inventário e nomeação do inventariante, competirá a este representar o espólio em juízo, nos termos do art. 618, I, do Código de Processo Civil.

Ademais, a norma do art. 48, § 1º, da Lei 11.101/2005 também se aplica aos casos em que o produtor rural pessoa física falece no curso de sua recuperação judicial e o espólio se legitima a prosseguir no feito.

Na jurisprudência, encontram-se relevantes arestos reconhecendo a legitimidade de espólio do devedor produtor rural para a recuperação judicial.

Assim, já decidiu o TJSP, em precursor aresto da segura relatoria do Des. Araldo Telles, com a votação unânime dos respeitadíssimos Des. Ricardo Negrão e Des. Carlos Alberto Garbi, que: “Recuperação Judicial. Empresário Rural. Cabimento, desde que comprovado o desenvolvimento da atividade por mais de dois anos, inscrevendo-se perante o Registro Mercantil em data anterior ao pedido, legitimado o espólio, representado pela inventariante. Inteligência do art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 11.101/05.” (TJSP, AI 2048349-10.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. em 30.10.2017, v.u., rel. Des. Araldo Telles).

Em acórdão posterior, cujo voto condutor da precisa lavra do relator Des. Ricardo Negrão foi acompanhado à unanimidade de votos dos criteriosos Des. Sérgio Shimura e Des. Maurício Pessoa, decidiu a Corte Paulista que: “Recuperação Judicial. Insurgência contra a r. decisão que indeferiu o pedido de extinção do feito em relação à produtora rural Vera Lucia Jayme Moreno, em razão de seu falecimento Determinação de prosseguimento do feito com a inclusão do Espólio, já representado nos autos pela inventariante Infundada pretensão de reforma formulada pela credora Inteligência do disposto no art. 48, § 1º da Lei n. 11.101/2005” (TJSP, AI 2264791-62.2020.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. em 16.07.2021, v.u., rel. Des. Ricardo Negrão).

Portanto, o espólio do produtor rural, representado pelo inventariante, legitima-se a requerer recuperação judicial ou a continuar na recuperação judicial do devedor falecido, com fundamento no art. 48, § 1º, da Lei 11.101/2005 e amparo em sólida jurisprudência.

Outro aspecto relevante diz respeito à necessidade de registro na Junta Comercial do produtor rural, ou de seu espólio, para legitimação à recuperação judicial, jurisprudencialmente consolidada no Tema Repetitivo 1.145, cuja tese é: “Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos, é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro”. (STJ, REsp 1.905.573, Segunda Seção, j. 22.06.2022, v.u, rel. Min. Luis Felipe Salomão; STJ, REsp 1.947.011, Segunda Seção, j. 22.06.2022, v.u, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

Com relação ao registro na Junta Comercial de espólio de produtor rural ainda não inscrito, há duas interpretações que, parece-me, guardam coerência com a orientação do Superior Tribunal de Justiça. Ante a ausência de previsão na legislação registraria da hipótese de registro de espólio na Junta Comercial, deve-se dispensar o registro do espólio do produtor rural como pressuposto à legitimação à recuperação judicial; ou, referido registro deve ser suprido por decisão do juízo recuperacional quando do deferimento do processamento da recuperação judicial.

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