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A prioridade do crédito garantido na Lei 11.101/2005 e os limites da mens legislatoris

Cássio Cavalli
Cássio Cavalli
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Cássio Cavalli. Professor da FGV Direito SP. Advogado, árbitro e parecerista.
Referência ABNT para citação: CAVALLI, Cássio. A prioridade do crédito garantido na lei 11.101/2005 e os limites da mens legislatoris. Agenda Recuperacional. São Paulo. v. 1, n. 3, p. 1-8, mar./2023. Atualizado em 05.08.2023. Disponível em: www.agendarecuperacional.com.br. Acesso em:

A Lei 11.101/2005 (“LRF”) resultou de um movimento de uniformização internacional das leis falimentares promovido pelo Banco Mundial, que almejava que as legislações nacionais incorporassem o modelo de direito concursal norte-americano, conforme pode ver-se no documento Principles for Effective Insolvency and Creditor/Debtor Regimes,[1]cuja primeira versão foi publicada em 2001. Foi assim que a LRF revogou o obsoleto Dec.-lei 7.661/1945 e dotou o direito brasileiro de modernos mecanismos de resolução de insolvência, como a recuperação judicial de empresas.

Entretanto, apesar da orientação do Banco Mundial, a LRF não logrou captar com clareza a estrutura normativa fundamental do direito falimentar norte-americano, que são as normas que disciplinam as ordens de pagamento dos credores na falência e na reorganização de empresas.

Na LRF, a ordem de prioridade de pagamento dos credores decorre de alguns dispositivos (notadamente dos arts. 149, 84 e 83 da LRF), que ordenam os credores em fila para fins de pagamento. Assim, diz a LRF que os créditos extraconcursais serão pagos com precedência sobre os concursais (arts. 84, caput, e 149 da LRF). O pagamento dos créditos extraconcursais é ordenado pelos incisos do art. 84 da LRF, colocando-se em primeiro lugar “as quantias referidas pelos arts. 150 e 151 desta Lei” (inc. I-A), passando pelas despesas com arrecadação e administração da massa falida (inc. III) e prosseguindo até chegar no último lugar da fila, ocupado pelos “tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência” (inc. V). Já a fila de pagamento dos créditos concursais organizada pelo art. 83 da LRF, que coloca em primeiro lugar “os créditos derivados da legislação trabalhista” (inc. I), seguidos pelos “créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado” (sic) (inc. II), créditos tributários (inc. III), créditos simples (ou quirografários) (inc. VI), créditos subordinados (inc. VIII) até chegar no último lugar da fila, ocupado pelos “juros vencidos após a decretação da falência” (inc. IX).

É enganoso achar que estas disposições da LRF estabelecem uma clara ordem de prioridade de pagamentos. Para disciplinar adequadamente uma ordem de prioridades de pagamento, não basta enunciar uma fila de credores. É necessário atentar para os outros elementos que compõem as normas de regência da ordem de pagamentos que não foram explicitados pelos arts. 83 e 84 da LRF.

O primeiro elemento que deve ser explicitado é a origem dos recursos utilizados para a realização do pagamento. Um dos mais relevantes exemplos normativos da conjugação de ordem de pagamento com a origem dos recursos é encontrado na disciplina do pagamento de créditos com garantia real. Conforme a classificação do art. 83, II, da LRF, “os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado” (sic) são pagos após os créditos trabalhistas (inc. I) e antes dos créditos tributários (inc. III). A julgar apenas pela literalidade destes dispositivos, e sem atentar para as diferentes origens dos recursos empregados para o pagamento, chega-se à conclusão de que os recursos obtidos pela massa insolvencial pela excussão dos bens do devedor deverão ser distribuídos aos credores na ordem acima indicada. De acordo com esta linha interpretativa, é irrelevante a origem dos recursos que serão distribuídos aos credores, se decorrente da excussão de quaisquer bens arrecadados ou da excussão do bem onerado. O crédito será classificado como crédito com garantia real até o valor obtido pela excussão do bem (inc. II do art. 83 da LRF) e o saldo não coberto pelo produto da alienação do bem onerado será classificado como crédito simples (alínea ‘b’ do inciso VI do art. 83 da LRF). Assim, para esta linha interpretativa, o valor obtido pela massa com a excussão do bem onerado em garantia servirá apenas para determinar qual porção do crédito com garantia real será pago com a prioridade da classe II e qual porção do crédito será paga como crédito quirografário.

Este resultado interpretativo baseia-se exclusivamente no teor literal do art. 83, II e VI, ‘b’, da LRF. Entretanto, o teor literal destes dispositivos é diametralmente contrário às diretrizes do Banco Mundial, que supostamente orientaram a elaboração da Lei 11.101/2005. Com isso, não quero afirmar que a mens legis ou a mens legislatoris se sobrepõem ao intérprete na construção da norma jurídica, apenas quero chamar atenção para o fato de que a dissonância entre o texto da LRF e o que o supostamente almejava o legislador coloca em dúvida a competência do legislador quando da elaboração da LRF em 2005. Este fato deveria servir de alerta aos intérpretes quanto ao risco da interpretação literal de dispositivos da lei que parecem não ter enunciado em sua literalidade aquilo que o legislador alegadamente pretendia.

Para demonstrar o argumento, utilizarei o próprio exemplo da classificação dos créditos com garantia real de que trata o inc. II do art. 83 da LRF. É unânime o entendimento de que este inciso versa sobre créditos com garantia real, que são os créditos garantidos por direitos reais de garantia. Na redação original, lia-se textualmente no referido inciso: “créditos com garantia real”, a significar os créditos cuja satisfação é garantida por vínculo real constituído sobre um bem. Porém, na reforma da LRF, a Lei 14.112/2020 alterou a redação deste inciso para “os créditos gravados com direito real de garantia”, expressão que, tomada em sua literalidade, significa “o bem que é gravado com o direito real de garantia”. A teratologia desse erro serve para demonstrar a insuficiência da literalidade do texto legal para orientar a interpretação. Por isso, a totalidade da doutrina produzida após a Lei 14.112/2020 sequer aponta o erro terminológico do legislador e apenas continua a ler o inciso II como se nele estivesse escrito “créditos com garantia real”.

O leitor pode estar a se perguntar por que o legislador alterou a redação do inciso II desta forma tão infeliz. A redação teratológica foi inserida no anteprojeto de reforma da LRF no seguinte contexto. Enquanto integrante do grupo de trabalho do Ministério da Fazenda para a reforma da LRF, eu incluí a lápis na primeira minuta do anteprojeto duas disposições: uma promovia a classificação do crédito com garantia para ter prioridade de pagamento sobre o valor obtido pela excussão do bem onerado em garantia, e outra disposição suprimia a redação do inciso II do art. 83 da LRF. Esse era o primeiro passo para incluir expressamente na LRF a regra da prioridade absoluta - ou absolute priority rule -, que é a norma central do modelo de direito concursal que o Banco Mundial havia sugerido que o Brasil adotasse quando da promulgação da LRF em 2005. A regra da prioridade absoluta possui algumas variações, cada qual com suas vantagens e desvantagens. Esta regra, porém, é a que orienta todas as decisões de investimento de investidores globais. Se o Brasil adotasse expressamente a regra, melhoraria substancialmente sua capacidade de competir pelo fluxo de capitais no mercado internacional, barateando o custo de financiamento das empresas brasileiras. O Brasil era, - e é, - visto como uma jurisdição high yield, isto é, de alto rendimento, na qual financiadores buscam altas taxas de juros em razão do alto risco de não pagamento em caso de insolvência. Singapura é um bom exemplo de país que recentemente reformou sua lei falimentar incluindo a regra da prioridade absoluta e propagandeou a novidade ao mundo inteiro para melhorar sua posição no mercado de capitais globalizado e para atrair reestruturações de empresas para sua jurisdição. Como a primeira minuta do anteprojeto de reforma da LRF foi elaborada no exíguo tempo de um mês, a ideia estava registrada a lápis e a redação dos dispositivos fora deixada para momento posterior, quando o anteprojeto seria conduzido pelos quatro integrantes do grupo inicial conjuntamente com os integrantes do grupo de trabalho maior de 21 especialistas na matéria. Porém, após a entrega da primeira minuta do anteprojeto, a burocracia interna do Ministério da Fazenda preferiu assumir a condução dos trabalhos, afastando o grupo de especialistas. Por não entender o objetivo almejado com a alteração que eu propus a lápis, a burocracia interna do Ministério da Fazenda decidiu manter a classificação original desses créditos e, ao invés de simplesmente suprimir da minuta a referência à supressão do inciso II do art. 83, resolveu reescrever o inciso II com a teratológica expressão. A tramitação legislativa seguiu seu curso sem que ninguém apontasse e corrigisse o erro crasso acerca de um dos mais relevantes aspectos do direito concursal para o mercado de crédito. Para além de afastar o propalado mito da onisciência do legislador, o texto final da Lei 14.112/2020 demonstra que a reforma da LRF não levou em consideração as normas que disciplinam as ordens de prioridade, que constituem precisamente o eixo central dos procedimentos concursais e que orientam as decisões de investimento do fluxo global de capitais. Este longo parêntesis sobre a história da reforma da LRF apenas demonstra a importância da interpretação doutrinária e jurisprudencial para corrigir os equívocos, alguns deles teratológicos, da literalidade do texto da LRF. Cumpre interpretar-se as disposições da LRF.

O crédito com garantia real não constitui apenas a classe na ordem de pagamento dos credores; muito mais do que isso, constitui uma posição jurídica que permite ao credor acessar dois conjuntos distintos de bens do devedor. O titular do crédito com garantia real pode, de um lado, acessar o valor obtido com a excussão do bem onerado em garantia com prioridade sobre todos os demais credores (art. 1.419 do CC); e, de outro lado, pelo saldo não coberto pela excussão do bem, pode acessar a garantia patrimonial geral do devedor em paridade com outros credores. Com efeito, a prioridade de recebimento do credor com garantia real sobre os demais credores somente se manifesta com relação ao conjunto segregado de bens formado pela garantia real e não sobre os bens do patrimônio geral do devedor. Esta distinção não tem sido devidamente percebida, embora tenha relevantíssimas consequências práticas. Imagine-se aqui a seguinte situação. Em uma falência, há um credor pelo valor de $1000 garantido por hipoteca de um imóvel no valor de $1000 e outro credor por $1000 com penhor sobre recebíveis no valor de R$500. Se a excussão da hipoteca resultar no ingresso de $1000 em recursos para a massa, haverá diferentes resultados distributivos conforme variem tanto o local na qual são mantidos estes recursos quanto as regras de acesso a estes recursos. Assim, por exemplo, se o valor de excussão da hipoteca for mantido no caixa geral da massa insolvencial, a massa poderá utilizar estes recursos para pagar antecipadamente as despesas indispensáveis à administração da massa contraídas no valor de, digamos $1000. Neste caso, o valor da garantia hipotecária será insuficiente para pagamento do crédito garantido por hipoteca. Digamos que, após a excussão da hipoteca e o pagamento das despesas administrativas, seja excutida a garantia pignoratícia pelo valor de $500. Estes recursos poderão ser utilizados para pagar o credor hipotecário além do credor pignoratício? Caso se entenda que sim, o credor pignoratício não terá prioridade no pagamento até o valor do bem onerado em garantia. Neste caso, haverá uma classe dos credores que concorrem entre si pelo caixa geral da massa insolvencial com prioridade sobre outros credores gerais. Esta é a exata descrição de um privilégio geral. Esta interpretação, porém, só é possível se ignorar por completo o próprio conteúdo dogmático-normativo das garantias reais. Este é o entendimento de Marcelo Sacramone, que expressamente afirma que: “A garantia real conferida a determinados créditos reduz o risco de inadimplemento do devedor. Fora do regime concursal, os referidos bens conferidos em garantia ficam vinculados ao adimplemento do credor, o qual prefere a qualquer outro para ser satisfeito com o produto de sua alienação, embora essa limitação não ocorra na falência.”[2]

No entanto, a mesma facilidade com que a doutrina aceita a extinção de direitos reais de garantias na falência não orienta a interpretação do autor sobre o tratamento dos direitos reais de garantia na recuperação judicial. Segundo afirma: “na recuperação judicial, que a alienação do bem objeto da garantia, a supressão da referida garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor (art. 50, § 1º).”[3]

Em outras palavras, o autor entende que se possa suprimir diretos reais conforme a via processual eleita seja a falência. A ser assim, o credor com garantia real há de preferir outros procedimentos em detrimento da falência, mesmo nos casos em que a falência seja o procedimento mais eficiente para a liquidação da empresa inviável. Esta é a exata definição de forum shopping, que é alvo de severas críticas da literatura internacional, - a mesma que é tomada como referência por financistas para avaliar risco de insolvência (diz-se risk assessment no anglicismo que compõe o jargão de mercado) e, com base nele, fixar a taxa de juros, no binômio risco-retorno.

Retornando ao exemplo acima, no modelo de insolvência indicado pelo Banco Mundial, que corresponde substancialmente ao bankruptcy law norte-americano, o credor com garantia real tem prioridade de acesso ao valor obtido com a excussão do bem. Esta prioridade se exerce sobre todos os credores e despesas da massa insolvencial. Por isso, diz-se que o credor garantido tem prioridade absoluta sobre o valor obtido com a excussão do bem onerado em garantia. Daí dizer-se que crédito garantido figura em uma classe superior à classe das despesas administrativas (administrative expenses), - que correspondem a certos créditos extraconcursais da LRF, - e a credores gerais, isto é, a credores com privilégio geral e quirografários, que somente são pagos com os recursos do caixa geral da massa. Bem concretamente, a ordem de satisfação de credores no direito norte-americano pode ser assim esquematizada:

Credor com garantia real

à prioridade de acesso ao

à valor de excussão do bem onerado

1º Despesas administrativas

 

 

2º Credores com privilégio geral

à concorrem nesta ordem pelos

à bens desonerados que integram o patrimônio do devedor

 

3º Credores quirografários

 

 

Esta ordem de pagamento resulta da conjugação de normas que disciplinam a prioridade de acesso a subconjuntos determinados de bens.

Consoante a interpretação unânime na doutrina brasileira, que se baseia na literalidade do texto legal, em linhas gerais, a ordem de pagamento de credores pode ser assim esquematizada:

1º Créditos extraconcursais

2º Credor com garantia real

3º Credores com privilégio geral

4º Credores quirografários

 

à concorrem nesta ordem pelos

 

à bens onerados e desonerados que integram o patrimônio do devedor

As diferenças com o sistema norte-americano são evidentes. Porém, será que são relevantes? Em parte, não, pois o direito brasileiro constituiu fértil terreno para o declínio das garantias reais e a sua substituição por estruturas de propriedade em garantia. Neste sentido, o desprestígio das garantias reais tende a ser inócuo. Porém, ao mesmo tempo, as diferenças são relevantíssimas se observadas de duas outras perspectivas. A primeira, do ponto de vista de financiadores globais, analisa-se apenas a ordem de prioridades no interior do concurso e ignoram-se as prioridades obtidas com a segregação da titularidade de ativos nos conjuntos patrimoniais de terceiros. No entanto, em muitas avaliações de risco, financiadores não encontram textualmente na LRF uma regra de prioridade absoluta das garantias reais e concluem pelo maior risco de crédito em financiamentos feitos no Brasil. (Em 2020, eu assessorei o Ministério da Economia na condução dos trabalhos de avaliação do direito concursal brasileiro para o Doing Business do Banco Mundial. Um dos pontos que eu destaquei na interlocução com o Banco Mundial foi que o desprestígio dos créditos garantidos por direitos reais de garantia no interior dos processos concursais brasileiros era irrelevante, uma vez que no direito brasileiro os credores eram garantidos por outras estruturas jurídicas, como a alienação fiduciária, que funcionalmente equivalem a uma super-prioridade absoluta. Isto é, demonstrei que o direito brasileiro é efetivamente dotado de ferramentas que outorgam uma maior tutela do credor garantido do que o próprio direito norte-americano.)

A segunda perspectiva que afeta negativamente o direito brasileiro é até mais relevante para os processos concursais. O processo de recuperação de empresas é negociado e conduzido à sombra do processo falimentar. Portanto, para decidirem se aprovam ou não o plano de recuperação, os credores comparam o tratamento que recebem no plano com o tratamento que receberão em caso de rejeição do plano seguido de falência. A dança das cadeiras das prioridades de pagamento conforme mude o procedimento leva à graves instabilidades na negociação do plano de recuperação judicial e ao demora do procedimento. (Este é mais um capítulo sobre o qual pretendo escrever em um futuro próximo: como a parametrização de direito patrimoniais na falência pode facilitar a negociação do plano de recuperação judicial.) De igual modo, os mecanismos legais de incentivo ao financiamento da empresa em recuperação judicial baseiam-se todos na outorga de prioridades ao financiador da empresa em caso de falência. Isto é, não há como reorganizar empresas de modo célere e eficiente sem uma clara compreensão das ordens de prioridade na falência.

A ausência desse claro entendimento sobre as ordens de prioridade de pagamento na falência leva inclusive autores globais de grande destaque a se confundirem e a realizarem uma avaliação equivocada da LRF. Assim, por exemplo, enquanto no direito norte-americano o valor obtido com a excussão de garantias reais não pode ser utilizado para pagar despesas administrativas, pelo teor literal dos art. 83 e 84 da LRF ocorre o inverso: os créditos extraconcursais preferem aos créditos concursais. Sem notar para esta peculiaridade do direito brasileiro, certos juristas internacionais concluem pela maior segurança do financiamento DIP no direito norte-americano, onde o financiamento pode ser ranqueado como crédito garantido e está acima das despesas administrativas, enquanto no Brasil, pela literalidade do art. 84 da LRF, o financiador da empresa é classificado como credor extraconcursal (inciso I-B do art. 84 da LRF), o que, aos olhos do analista estrangeiro constituem equivalente a despesas administrativas do direito norte-americano e figuram, pois, abaixo dos créditos garantidos. No entanto, é a opinião equivocada destes autores que será lida pela comunidade financeira internacional e resultará em uma pior avaliação de risco para financiar empresas em recuperação judicial no Brasil. (Este é outro tema que deixarei para explorar noutra oportunidade.)

Como, então, interpretar a LRF e, também, reformá-la legislativamente para incorporar ordens de prioridade mais claras e que se exerçam sobre subconjuntos segregados de ativos? Abaixo, esboço a lápis (de modo ainda incompleto e com lacunas) como entendo que poderiam ser redigidos os dispositivos da LRF:

“Art. 83. Os pagamentos distribuídos na falência devem observar a seguinte ordem:
I - créditos com direitos reais de garantia;
II - créditos com privilégio especial sobre determinados bens;
III - créditos com privilégio geral;
IV - créditos quirografários;
V - créditos subordinados.
§ 1º. São créditos com privilégio geral:
a) os créditos trabalhistas até o valor de 150 salários-mínimos;
b) os demais créditos assim classificados nesta lei.
§ 2º. São créditos simples ou quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial, não entram nas classes I, II, III e V deste artigo e os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao seu pagamento.
Art. 83-A. As despesas de administração da massa falida e recuperacional são pagas com prioridade sobre todos os créditos admitidos à falência e à recuperação ressalvado o disposto no art. 83-B.
Parágrafo único. Constituem despesas administrativas da massa falida ou recuperacional:
I - as despesas com arrecadação, administração, realização do ativo, distribuição do seu produto e custas do processo de falência, inclusive as remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus auxiliares;
II - as custas judiciais do processo da falência, dos seus incidentes e das ações em que a massa for vencida;
III - os créditos decorrentes de financiamento da empresa realizados durante a recuperação judicial, excetuado os créditos de financiamento que, por autorização judicial, forem garantidos por direito real de garantia ou por transmissão da propriedade em garantia.
Art. 83-B. Vendidos os bens que constituam objeto de garantia real ou de privilégio especial, e descontadas as custas e despesas da arrecadação, administração, venda, depósito ou comissão do administrador judicial, relativas aos mesmos bens, os respectivos credores receberão imediatamente a importância dos seus créditos, até onde chegar o produto dos bens que asseguram o seu pagamento.
Parágrafo único. Se não ficarem pagos do seu capital, e juros, esses credores serão incluídos, pelo saldo do capital, entre os quirografários, independentemente de qualquer formalidade.
Art. 83-C. Os credores com privilégio geral serão pagos logo que haja dinheiro em caixa.
Parágrafo único. Concorrendo credores privilegiados em igualdade de condições, serão pagos em rateio se o produto dos bens não chegar para todos.
Art. 83-D. Pagos os credores privilegiados, o administrador passará a satisfazer credores quirografários, distribuindo rateio todas as vezes que o saldo em caixa bastar para um dividendo de cinco por cento."

Nesses quase 20 anos de vigência da LRF, acredito que ainda é tempo para modernizarmos nossa legislação falimentar. Com as adaptações acima indicadas, a LRF se aproximaria do modelo de direito concursal que, em 2005, possibilitaria modernizar o direito brasileiro, superando o empoeirado Dec.-lei 7.661/1945, e aproximando a nossa lei de falências às melhores práticas internacionais, conforme propugnado pelo Banco Mundial.

Para concluir, devo esclarecer que a redação proposta acima corresponde, quase que literalmente e com poucas adaptações, aos quanto dispunham os arts. 102, 124 e 125 do Dec.-lei 7.661/1945. Parece que o legislador de 2005, tão ansioso por seguir os passos do avançadíssimo direito norte-americano para modernizar o direito brasileiro, esqueceu-se de olhar para a lei brasileira vigente e compreender que, em matéria de prioridades, o direito brasileiro já continha tudo aquilo que o Banco Mundial sugeria que deveria incorporado.


[1] Disponível em: https://www.worldbank.org/en/topic/financialsector/brief/the-world-bank-principles-for-effective-insolvency-and-creditor-rights

[2] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência.  2.ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 429.

[3] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência.  2.ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 429.

art. 84art. 83Preferências creditórias

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