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A tutela de acionistas, o credit bid e a lex comissoria no PL 03/2024

Cássio Cavalli
Cássio Cavalli
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Cássio Cavalli. Professor da FGV Direito SP. Advogado e parecerista.

CAVALLI, Cássio. A tutela de acionistas, o credit bid e a lex comissoria no PL 03/2024. Agenda Recuperacional. São Paulo. v. 2, n. 36, p. 1-2, jan./2024. Disponível em: www.agendarecuperacional.com.br. Acesso em:

No artigo “A inadequada tutela de acionistas no PL 03/2024” eu afirmei que a norma proposta no art. 82-D, § 5º, que prevê que o plano de falência não está sujeito ao consentimento dos acionistas, permite que os credores insiram no plano de falência disposições que lhes permitam retirar valor dos acionistas para receber mais do que o valor do seus créditos. E que esta possibilidade leva a contencioso, recursos e demoras. 

Um ilustre leitor do Agenda Recuperacional me escreveu dizendo não ter compreendido como isto poderia ocorrer e qual a relação disso com a ausência de voto dos acionistas na deliberação do plano de falência.

Como os credores poderiam receber mais do que o valor dos seus créditos?

A indagação é relevantíssima e fundamental para que se desenvolva um debate racional e coerente sobre as características do PL 03/2024. Afinal, como avaliar críticas sem se ter uma clara compreensão de seus pressupostos?

A resposta ao relevante questionamento levantado pelo ilustre leitor pode ser feita analisando-se o próprio texto do PL 03/2024.

O art. 82-C, § 1º, I, proposto dispõe que “O plano de falência de que trata o caput poderá contemplar, entre outros: I - a aquisição dos bens da massa falida mediante a utilização de créditos pelos credores”.

A “aquisição de bens mediante utilização de créditos” denomina-se, no direito brasileiro, adjudicação. Na terminologia do projeto vê-se uma certa influência do rótulo “credit bid” do direito estadunidense, apenas do rótulo, não do conteúdo, já que no direito estadunidense a hipótese aplica-se apenas aos credores com garantia real e é objeto de detalhada disciplina no Bankruptcy Code. 

A possibilidade de credor ou credores adjudicarem bens do devedor pode levar a que em certos casos os credores adjudiquem bens do devedor que possuem um valor maior do que o de seus créditos. Esse é um bom exemplo de como os credores podem aprovar plano de falência subtraindo valor dos acionistas. Daí a necessidade de se disciplinar o procedimento de adjudicação e, também, de incluir os acionistas do falido na deliberação.

A preocupação com que os credores não retirem do patrimônio do devedor maior valor do que os de seus créditos é um dos pilares centrais dos direitos de origem romano-germânica, os quais desde o Corpus Iuris Civilis de Justiniano proíbem a lex comissoria ou pacto comissório, como é chamado entre nós, e disciplinado legislativamente, por exemplo, nos arts. 1.428 e 1.365 do CC. 

A proibição do pacto comissório compartilha seu conteúdo normativo com a norma da par condicio creditorum. Por isso, os procedimentos concursais como a falência e o projetado plano de falência devem ser desenhados de modo a assegurar procedimentalmente a efetividade da vedação ao pacto comissório, inclusive, se necessário, pela adequada tutela dos acionistas na falência.

Espero que os esclarecimentos acima possam esclarecer o questionamento e, também, lançar luz para o tratamento do tema da adjudicação de bens do devedor no plano de falência do PL 03/2024.

De Nova Iorque para São Paulo, 25 de janeiro de 2024.

Cássio Cavalli

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